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Há 60 anos um rebelde sem causa se tornava lenda

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Dean com seu Porsche pouco antes do acidente

Era por volta das 17h do dia 30 de setembro de 1955. Junto com seu mecânico, James Dean passa o dia mexendo no motor de seu Porsche Spyder 550, batizado de “Little Bastard”, para participar de uma corrida a ser realizada em Salinas, na Califórnia. Mas, seu destino era outro. Antes de ir para a competição, ele resolve rodar um pouco com o carro pela estrada. Na altura da comunidade de Cholame, um Ford Tudor cruza seu caminho em alta velocidade. O ator não consegue desviar e colide com o  automóvel, morrendo instantaneamente aos 24 anos. Seu mecânico, que estava no banco do carona, e o outro condutor sofrem apenas ferimentos.

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O carro de Dean após o acidente que o matou

Assim, de forma abrupta, há 60 anos o mundo do cinema perdia uma de suas figuras mais proeminentes e, a juventude, um ícone da rebeldia. Com uma carreira meteórica, somada a uma morte trágica tão jovem, James Dean logo se tornou uma lenda. Foram oito filmes, somente três com papel de destaque, em quatro anos de carreira nas telonas, que lhe renderam duas indicações ao Oscar na categoria Melhor Ator. Se estivesse vivo, teria 84 anos. É difícil prever o que aconteceria com a vida e carreira de Dean — assim como com Marilyn Monroe — se sua vida não tivesse sido interrompida prematuramente. Talvez figurasse como um fenômeno passageiro ou continuasse trilhando o caminho de grandes trabalhos, mas o fato é que sua figura e a tragédia que o matou fizeram com que Jimmy, como era chamado, alcançasse cedo seu espaço entre os imortais do cinema.

Após a morte de James Dean, o outro lendário astro Humphrey Bogart teria declarado, segundo o escritor Nigel Cawthorne: “Dean morreu na hora exata. Se tivesse vivido, não teria sido capaz de corresponder à sua imagem”.

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Natalie Wood e James Dean no set de “Juventude Transviada”

Nascido em Marion, Indiana, em 8 de fevereiro de 1931, James Byron Dean perdeu a mãe aos nove anos, vítima de câncer. Seu pai, um protético, resolve enviá-lo para viver com sua irmã e o marido em uma fazenda, onde ele fica até os 18 anos. Nesse período, em que ele passou a se interessar por automobilismo e teatro, fazendo apresentações na escola, é vítima de abuso sexual por parte do reverendo de sua igreja Quaker, a religião que seus tios seguiam, conforme revelado em entrevista por Elizabeth Taylor para o jornal The Daily Beast, autorizada a ser divulgada por ela somente após sua morte, ocorrida em 2011:

“Quando Jimmy tinha onze anos e sua mãe morreu, ele começou a ser molestado por seu pastor. Acredito que isso o assombrou pelo resto de sua vida. De fato, eu sabia. Ele me falou muito sobre isso. Durante as filmagens de Assim Caminha a Humanidade nós ficávamos noites inteiras conversando, e isso foi uma das coisas que ele me confessou”.

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James Dean e Elizabeth Taylor em “Assim Caminha a Humanidade”

Em 1949, aos 18 anos, James Dean vai para Santa Mônica, na Califórnia, para viver com o pai e se matricula na universidade para cursar Direito. Em seguida, muda para o curso de Drama, contrariando a vontade de seu pai, e passa a participar de grupos de teatro , fazendo pequenos trabalhos, até abandonar definitivamente a faculdade em 1951 para se mudar para Nova York. Sua primeira aparição na televisão ocorre nessa época, em um comercial da Pepsi, realizado em 1950:

Em Nova York, após fazer participações em vários programas de televisão, ele é aceito no renomado Actors Studio. A escola, lar de vários atores de destaque e contemporâneos a James Dean, como Anne Bancroft, Marlon Brando, Montgomery Clift, Sidney Poitier e Paul Newman, se torna uma trampolim para Dean. Após fazer pontas sem créditos em cinco filmes, ele é convidado pelo diretor Elia Kazan, um dos fundadores do Actors, a protagonizar seu filme Vidas Amargas, de 1955, na Warner Bros.

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James Dean interpreta Cal Trask em “Vidas Amargas”

Nessa época, a sexualidade de Jimmy já era alvo de especulação. Segundo o escritor Nigel Cawthorne, o ator teria contado para a colunista fofoqueira mais famosa de Hollywood à época, Hedda Hopper, como teria escapado do serviço militar para a Guerra da Coreia se declarando gay: “Eu beijei o médico”. Brincadeira ou não, sua ex-namorada, a também atriz Betsy Palmer (a mãe de Jason em Sexta-Feira 13, de 1981), que  faleceu este ano, disse: “Ele era quase assexuado”.

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James Dean e Betsy Palmer em um programa da CBS

Seu próximo filme na Warner, Juventude Transviada (1955), foi o responsável por alçá-lo à fama. O diretor do longa, Nicholas Ray, conheceu Dean por meio de Elia Kazan, que havia convidado o colega para assistir a uma projeção de Vidas Amargas no estúdio da Warner. Na ocasião, Jimmy chama sua atenção, e após observá-lo em Nova York, Ray decide contratá-lo.

Enquanto cogitava nomes como Robert Wagner, Tab Hunter e John Kerr  — todos sem muita expressão  — para protagonizar Juventude Transviada, considerado um filme B na Warner, o estúdio tentava convencer  James Dean a esperar por um papel mais importante. No entanto, Nicholas Ray bateu o pé para que Jimmy ficasse no elenco, mesmo sendo advertido por Elia Kazan sobre os riscos de se trabalhar com ele.

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Natalie Wood, James Dean e Nicholas Ray no set de “Juventude Transviada”

“Eu perdi a paciência com toda essa mitificação de Dean. Brando foi o herói de Dean”. Marlon, muito bem preparado por Stella Adler, tinha uma técnica excelente. Dean não tinha técnica nenhuma”. (Os Bastidores de Hollywood na Vanity Fair, p.49).

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Elia Kazan e James Dean

Completavam o elenco, ainda, Natalie Wood, de 16 anos, e Sal Mineo, que era homossexual. Segundo o escritor Sam Kashner, Ray sabia da bissexualidade de Dean e usou isso em algumas cenas do filme com Mineo:

“Dean disse a Mineo: ‘olhe para mim como eu olho para Natalie’, quando estavam preparando a cena de intimidade entre eles na mansão Getty. Era preciso que a coisa fosse sutil. No dia 22 de março, um inspetor do Código de Produção escrevera num memorando a Jack L. Warner : ‘Naturalmente, é crucial que não seja insinuada uma relação questionável ou homossexual entre Platão ( o personagem de Mineo) e Jim'”. (Os Bastidores de Hollywood na Vanity Fair, p.62).

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Sal Mineo, Nathalie Wood e James Dean em “Juventude Transviada”

As filmagens de Juventude Transviada terminaram em 26 de maio de 1955, mas o filme só foi lançado em 27 de outubro, quase um mês após sua morte. Segundo o diretor Nicholas Ray, o astro em ascensão Elvis Presley ficou obcecado pelo filme e tinha grande admiração por James Dean:

“Certo dia eu estava na cafeteria da MGM [estúdio em que Elvis faria seus vários filmes musicais] e Elvis apareceu. Ele sabia que eu era amigo de Jimmy e tinha dirigido Juventude, e aí se ajoelhou diante de mim e começou a recitar trechos inteiros dos diálogos do filme. Àquela altura, Elvis devia ter visto o filme mais de dez vezes e tinha decorado todas as falas de Jimmy”. (Os Bastidores de Hollywood na Vanity Fair, p.62).

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James Dean em “Assim Caminha a Humanidade”, seu último filme

As gravações do terceiro e último filme de James Dean, Assim Caminha a Humanidade, dirigido por George Stevens, haviam acabado de ser finalizadas quando ocorreu o acidente. No entanto, o filme, que tinha no elenco Elizabeth Taylor e Rock Hudson, só foi lançado mais de uma ano depois, em novembro de 1956. Tanto para Juventude Transviada, quanto para Assim Caminha a Humanidade, a Warner preparou um enorme esquema publicitário, aproveitando a comoção entorno da morte de Jimmy, que fizera, inclusive, seu apartamento em Nova York ser saqueado por fãs em busca de lembranças, logo após sua morte. O resultado ajudou “Juventude” a se tornar um clássico da rebeldia no cinema,  e Assim Caminha a Humanidade a se consolidar como a terceira maior bilheteria de 1956,  vencendo o Oscar de melhor direção.